Marllus
Marllus Cientista da computação, doutorando em educação, mestre em políticas públicas, professor, poeta, escritor, artista digital e aspirante a tudo que lhe der na telha.

A arte do mar

A arte do mar
Cassiano Psomas

Enxergar sem as amarras mundanas, é possível?

A minha pergunta foi só uma retórica. Claro, quando a gente usa as ferramentas para compor as criações, podemos nos embebedar delas - nos tornando cegos sem paixão -, ou colocá-las de lado nos momentos certos, pelo amor e pela intuição. Só assim eu acho que conseguiremos experimentar alguma completude. O racionalista fiel não sabe por onde andar para alcançá-la, porque nem entende que está perdido em si mesmo, em suas ferramentas.

Por isso, acho que o conhecer a si mesmo, enquanto processo dialético, é o que faz a gente se abrir pra tudo o que não se conhece, mas que vai nos completar de alguma forma, seja a natureza, a filosofia, a ciência, a cosmologia, a espiritualidade…

Introdução à arte das montanhas

Um animal passeia nas montanhas.
Arranca a cara nos espinhos do mato, perde o fôlego
mas não desiste de chegar ao ponto mais alto.
De tanto andar fazendo esforço se torna
um organismo em movimento reagindo a passadas,
e só. Não sente fome nem saudade nem sede
confia apenas nos instintos que o destino conduz.
Puxado sempre para cima o animal é um imã,
numa escala de formiga, que as montanhas atraem.
Conhece alguma liberdade, quando chega ao cume.
Sente-se disperso entre as nuvens,
acha que reconheceu seus limites. Mas não sabe,
ainda, que agora tem de aprender a descer.

Fonte: Leonardo Fróes. Trilha. Poemas 1968-2015. Rio de Janeiro: Azougue, 2015, p. 25.

Na “arte das montanhas”, o subir, remete à ideia da utilização da racionalidade instrumental como ferramenta propulsora da evolução, e o descer, à emoção, às paixões e a todo o sentimento mais profundo do ser. Definitivamente, o texto foge à literalidade. Sem fome, sede ou saudade, o homem vai, marchando livre - mas junto à manada -, sem paixão, em meio à própria nuvem do ego - que por si só já é instrumental. Aprender a descer disso tudo, mais uma vez, é só assim uma opção para experimentar alguma completude.

A intuição foi uma das muitas coisas deixadas de lado no “avanço” do homem para a modernidade, então, novamente em questionamento retórico, que tipo de evolução foi essa, que abstraiu as capacidades mais íntimas do ser, em detrimento de breves goles fugazes de ilusão? Um tumor pode evoluir para um cânçer.

Por isso a intuição costuma ser uma seara dos artistas, cuja maioria (não sei) dá luz a sua própria criatividade para tentar enxergar o mundo de forma diferente, sem amarras, sem olhos poluídos. Isso parece ser um romantismo, em como eu os enxergo, pois o mercado financeiro e todas as outras distrações e normais sociais, às vezes, acabam por racionalizar/instrumentalizar até mesmo o artista mais “luminoso”.

Utilizando somente a ciência, portanto, não se permitirá ir além da protocolização do conhecimento, a fim de se chegar em um ponto de evolução mais profundo, mesmo que o caminho seja repleto de descobertas, que resolvam problemas temporários. Não é permitido pensar no transcendental, utilizando puramente esse método porque, certamente, o pesquisador não disporá de bases ferramentais suficientes pra conseguir problematizá-lo. Não importa o quanto tente, ele vai cair sempre em um ponto de inflexão, onde irá ter de escolher entre duas coisas: experiências individuais que importam mais que um padrão de repetição ou deixar de seguir a replicabilidade e falseabilidade das hipóteses - portanto, as bases epistemológicas da ciência -, ou seja, os resultados não poderão ser validados facilmente - e cientificamente - por ninguém, caindo, portanto, fora do método que ele mesmo utilizou.

Sócrates, com a sua maiêutica e método dialético, tentou destrinchar esse processo. A prova disso é que, embebido de sabedoria, tanto racional lógica como emocional intuitiva, não temeu sua própria morte, alegando que o corpo - e junto a ele todos os prazeres, torpores e racionalismos físicos - é somente uma casca que prende a evolução do seu verdadeiro ser “essência”. A antítese do existencialismo.

O que fazemos ou podemos fazer é somente tentar dar continuidade, ao aplicar outros processos para se “chegar lá”. É difícil, mas não impossível, creio, uma vida para o infinito.

Einstein disse uma vez: “A mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho original.”

Estamos condenados a evoluir, por mais que não se queira.

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