O primeiro e último dia
Na ida, era manhã. Aquele sol amarelo falante — uma mistura de brilho, calor e ousadia para quem acorda pra batalha diária. Os passos eram rápidos, ágeis como um adolescente ao encontro da primeira paquera. O ônibus atrasado, desgastado e suado de pessoas em meio à reclamações fajutas, que iam desde o político corrupto aos professores carrascos e insuportáveis, não tiraria a satisfação naquele olhar firme de quem “venceu”, de quem chegou lá, de quem “ganhou a vida”.
Na descida, o sonho realizado. Andar pelo campus, olhar para o verde, lenta e prazerosamente, sentindo o vento da liberdade dos pés de caju e manga, tão maduros que parecia impossível aqueles mínimos caules os suportarem. Os blocos e departamentos, que pareciam ter sido encaixados à mão, um a um, lembravam um ar de familiaridade em tudo aquilo. Naquele momento, as dores, angústias e problemas tinham ido embora. Nada normal fazia sentido. A sociedade lhe preparara para aquilo. Ele era o vencedor, o melhor, alguém que conseguiu, de uma forma segura e eficiente, se sobressair dentre os demais. Seja bem-vindo, “Refrigerante aluno”.
A volta, mais tranquila ainda. Chegara cedo, 9h. Uma pequena multidão o aguardava, calma e aflita. A inquietação nas cadeiras definiria, um pouco mais, a exata sensação de cada um naquela pequena recepção. Todos esperavam o momento. Para alguns, só uma assinatura, para outros, um momento de lágrimas e dever cumprido. O que pensar? A carta de alforria se aproximava. Após 40min de atraso, o último formando havia chegado. Não demorou para que todos entrassem na pequena salinha.
A loira de olhos verdes e meia idade, com aquele rosto sério e olhar quase invisível, como se estivesse à deriva de sua mente em meio aos seus próprios problemas, havia dado o aval. Todos ali juravam os deveres de suas profissões. Estaria acontecendo o momento esperado. Em poucos minutos, haviam, oficialmente, colado o grau superior.
Mais uma volta, desta vez com um pouco mais de ventania. O olhar para aquelas mesmas árvores, dispostas em fileiras, após ultrapassar as quase inúmeras lombadas até sair do campus, até que não foi difícil. Aquele mesmo aluno, que passou anos aos pés da própria sorte tinha uma nova conclusão sobre aquilo tudo: o malefício da opção de ser dono do próprio eu e da plena verdade é a queda. Ademais, a sociedade tinha uma parcela nisso: influência. Não é a toa, nós vivemos nela. Ora, seus pais, tios, padrinhos, seu vizinho, todos eles. O rótulo é inegável.
Seguindo sóbrio, ele vai embora dali, em busca de novos desafios e vitórias,
alimentar seu cérebro com pequenas partes da vida e as encaixá-las, como
aqueles blocos e departamentos, um a um, dentro de si mesmo, plantando
seus próprios cajus e mangas, talvez uvas e maçãs, porque não? Construir
sua própria história e dirigir seu novo eu. O que se pensava que antes
não poderia faltar, agora a mesma frase o alimenta ainda mais. Vai, voa e
segue. Leve para seus pés os elogios recebidos e continue com o
pensamento digno e confiante que tudo tem seu tempo, sua hora e que nada
está perdido.
A frase que o definiria entre esses dois momentos de surto, com toda certeza, seria uma, de Gandhi:
“O que pensais passais a ser”.
Lá vai, ele e sua motoca de 125cc.