Marllus
Marllus Cientista da computação, mestre em políticas públicas, professor, poeta, escritor, artista digital e aspirante a tudo que lhe der na telha.

Prefácio - Livro Conceito de Armonia

Prefácio - Livro Conceito de Armonia
Ilustração de Sérgio Marques

Thomas Kuhn, em seu ensaio A Estrutura das Revoluções Científicas (1962), foi quem deu origem ao termo ‘paradigma’ na ciência, utilizado para representar as estruturas inerentes aos aspectos teóricos e metodológicos científicos ou, de uma forma mais analítica: aos princípios ontológicos, que representam o significado da realidade; às bases para o conhecer dessa realidade – a epistemologia; às regras metodológicas ou os delineamentos necessários para a materialização do paradigma e aos exemplos concretos dessa trajetória. Na concepção kuhniana, toda trajetória de mudanças estruturais nas bases da ciência é representada pelo seguinte ciclo: pré-paradigmática → ciência normal → crise → revolução → nova ciência normal → nova crise → nova revolução → …

Nesse sentido e resgate histórico, a obra de Sérgio Marques, grande artística plástico cearense e meu amigo pessoal, se insere no que eu chamo de revolução ontológica (ou uma fase pré-paradigmática), através de um profundo conceito, geminado, esmiuçado e posto a sua prova por um trabalho de pesquisa solo de mais de 30 anos: o Conceito de Armonia.

Nunca me esqueço daquele 2019, na praia do Canto Verde, quando me apresentou sua teoria, enquanto construía bonecos de argila preta coletada da própria região, guiada por goles de uma boa ypióca prata. Ao mesmo tempo em que descrevia sua própria trajetória, eu também o conhecia. Os turbilhões, os projetos dos brinquedos e parques aquáticos no Icaraí, a sua sede pela sistematização do que viu naquele dito cujo dia… Foi como um choque pra mim, o impacto de um conhecimento me ‘dado’ (por mero acaso?), com uma profundidade nunca presenciada, uma completude infinita. Tudo isso enquanto a noite caía e as garrafas se emborcavam na parede baixa daquele casebre de pescador.

Desde então foi iniciado o relógio da maturação. Estudos, entendimentos, labirintos, choques, contemplação, reflexão, mais entendimento. As inúmeras conversas assíncronas também me ajudaram nessa caminhada, que ainda percorro, ao ler e refletir sobre este livro. As fogueiras organizadas no quintal, gargalhadas, reflexões sobre o mundo e a própria vida, as possibilidades da potência intrínseca do ser humano, a dialética, o materialismo, a filosofia da mente, o dualismo mente-corpo e os debates políticos são só alguns dos temas – acalorados ou não - que rolam nas reuniões sempre festivas e regadas a deliciosos comes e bebes, junto ao Sérgio, sua família e amigos.

Agora, você leitor, pode ter acesso a todo um novo conceito sobre mundo, mente, corpo e transcendência, que inicialmente foi dado a mim, em um simples arquivo pdf, e que tratei de compilar e dar à luz a essa magnífica concepção sobre tudo que nos cerca. Aqui você vai se embebedar no conceito de Armonia, um conceito mais que filosófico, mas espiritualista, intuitivo e racional. Uma tríade ímpar para o entendimento da obra.

Armonia representa a formalização racional da harmonia (sua irmã homófona). A proposta para uma nova palavra coube à percepção de que não seria possível representar todas as grandezas inerentes a uma nova definição de harmonia - que remete à ideia de simetria, justaposição e equilíbrio entre as partes de um todo. O conceito de Armonia (sempre escrito com A maiúsculo) representa a formalização harmônica geométrica e racional do universo, que explica – e narra – o cenário revelado pela luz. Esse conceito, portanto, trás um novo e amplo significado para a harmonia – e para a própria realidade.

Como é apresentado pelo Sérgio, através desse denso e ao mesmo tempo simples trabalho (isso é uma dualidade constante em todo o livro), o método tradicional do racionalismo, engessado em seu próprio termo, não consegue libertar a consciência para o conhecer da realidade – um processo que, segundo o autor, deveria ser simples. Para isso, a sistemática lúdica, uma dos pilares demonstrativos e necessários para a compreensão dessa realidade universal - dando significado linguístico ao Conceito de Armonia - transforma a realidade em um mundo mágico que compartilha a emoção mitológica e a razão formal. Toda uma explosão de sabores universais vem à tona e, por consequência, novas formas de representação da realidade e de acesso ao conhecimento.

Para Kuhn, a ciência sempre se desenvolveu pelo abandono e criação dos paradigmas. A proposta de Sérgio é romper com o paradigma antropocêntrico, ou seja, prevalecer o “sentir antes de pensar” ao modelo idealista, de pensar para existir, ou à lógica do materialismo dialético, de que são as transformações no mundo material que condicionam a ideia que fazemos dele. Nas suas próprias palavras: O formalismo é uma idealização mecanicista que quer projetar o espaço total do Universo. Toda a atenção cultural, centrada no umbigo simbólico do homem individual, marcou as instituições da civilidade com um formalismo exacerbado, que reconhecemos hoje sob a premissa sem freios que resultou na falência do Modelo Antropocêntrico, […] ao esgotamento por redundância da razão instrumental.

Afinal, racionalistas, empiristas, idealistas, materialistas…. Quem de fato sempre ou nunca esteve certo? Acredito que não haja resposta para isso, mas, ainda com Kuhn, um novo paradigma não é superior ao anterior, apenas atende mais ao contexto das necessidades em relação ao tempo histórico em que estão inseridas.

O tamanho da ambição deste projeto está diretamente relacionado ao fato de que Sérgio pode ser colocado no rol de personalidades que se preocuparam com a filosofia, com o desenvolvimento de novos olhares sobre mundo, os objetos e fenômenos; como esse mundo pode ser acessado e como nós estamos estruturados nessa grande teia. Me orgulho em dizer que um amigo desenvolveu uma nova concepção sobre a natureza da realidade! E isso não é pouco, não mesmo!

O caminho da superação pelo conceito de Armonia é empreender a reforma pessoal como ato da vontade universal, análogo ao “Conhece-te a ti mesmo”, escrito no templo de Delfos e defendida pelo saudoso filósofo Sócrates. Superar o antropocentrismo é quebrar a grande barreira individual do centro da representação que colocamos em nós mesmos para um “vir-a-ser-sendo”, ao afirmar que todos os seres e fenômenos estão sujeitos a um pressuposto eterno, imutável e harmonioso da realidade, porém, e não menos importante, simples de ser acessado. Só resta conhecer como descortiná-lo. E é esta a leitura que te espera.


Detalhes de como obter o livro impresso aqui: Conceito de Armonia